quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Acordar para o acordo ortográfico

Enquanto professora, vejo-me forçada a debruçar-me mais atentamente sobre o tão afamado acordo ortográfico. E mais, até durmo sobre o assunto! Talvez por isso, possa afirmar que já é tempo de acordar para ele.
Confesso que não tem sido muito difícil para mim encará-lo e lidar com algumas das alterações que ele propõe (ou impõe?). Reconheço que o mérito não é tanto meu, mas sim dos meus alunos. Quero aqui agradecer-lhes por, ao longo destes últimos 17 anos, me terem deixado algumas pistas, nos textos onde, ao escreverem, já anunciavam (de forma agora mais clara para mim) que a língua portuguesa estava em mudança. Digo “mudança” de forma consciente porque não implica necessariamente progresso!
Algumas das alterações, de que eles há tanto tempo falam e escrevem, tinham, tal como o acordo, como principal objetivo retirar letras que não se pronunciavam. Por isso mesmo, já há muito tempo que o verbo “estar” devia escrever-se “tar”. “Tás” a ver? Quem pensa que a letra kapa só agora entrou no alfabeto desengane-se. Os alunos, jovens visionários, incluem-na em “kualker” palavra, o que torna o português “bué fixe”. “Hades xprimentar”, é fácil e “prontes”. Não julguem que isto é um “izajero” porque é a realidade da nossa língua que muitos tratam e maltratam por tu. Quando alguém afirma: “ Já tinha “ouvisto” essa notícia antes”, a afirmação torna-se duplamente credível, pois não só ouviu, como também viu! Quem é que se vai atrever a contestar…
Se este último parágrafo vos despertou a atenção, deixei-me que vos diga que as mudanças já vaticinadas por muitos alunos não se ficam por aqui. Têm vindo a introduzir alguns neologismos na língua portuguesa e é na escola que se descobrem muitas vezes essas novas palavras. Nas aulas de Física (esqueçam a parte da “Educação”), os alunos fazem “abaixamentos” e “regulamentos para a frente” em vez de simples agachamentos ou cambalhotas e alguns até têm paredes de “escalagem”. O que interessa, no fundo, é que se mexam!
Mas, se é verdade que eu já acordei para o acordo, não significa que esteja de acordo com ele. Não faz muito sentido, por exemplo, que uma peça de vestuário que se quer curta e reduzida fique mais comprida agora que temos de escrever “minissaia”. E que dizer do nome de certas cores como “cor de vinho” ou “cor de laranja” que deixam de ter hífen e outras que ainda têm direito a ele, como o “cor-de-rosa”?
Também me questiono em relação ao entrave que certas mudanças vão representar na comunicação, tornando-a mais complexa, criando dificuldades não só de expressão, como de dicção (mantém o “c” porque se pronuncia) e de perceção (perde o “p” porque não se pronuncia). Assim, quando alguém afirma que “para para passar a mão pelo pelo do gato”, percebemos logo à primeira? Faz logo sentido? Não tenho a certeza… E se ouvirmos gritar: “Alto aí e para o baile!” (sim, “para”, do verbo “parar”, já não leva acento), o que devemos fazer? Ir logo para o baile ou parar de bailar? Será que algo está a falhar na comunicação?…
Pensemos agora no caso dos egípcios, habitantes de um país, o “Egito” (?), ao qual não parecem pertencer pois tiraram-lhe o “p”, embora muitos portugueses, eu incluída, o terem sempre pronunciado. O mesmo acontece com “excepto” que eu ainda não consigo escrever ou sequer pronunciar sem “p”. Parece que estou a aprender a falar uma língua estrangeira, pois estas duas últimas palavras, assim amputadas, nem parecem portuguesas. Eu sei, é (apenas) uma questão fonética…Mas se uma língua também se distingue das restantes pela sua fonética, isto é pela sonoridade e musica(lidade) que a cara(c)terizam ( o “c” é aqui opcional), a língua portuguesa, com o acordo ortográfico, nem sempre soa bem. É que este acordo tem alguns falsos acordes.
Contudo, não há volta a dar pois, mais cedo ou talvez mais tarde, havemos de nos adaptar e “adotar” a nova grafia, antes que estes ou outros linguistas se lembrem de introduzir mais umas “alteraçõezitas” e fazer mais umas afinações para a banda continuar a tocar!
Teresa Martins

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